terça-feira, 30 de julho de 2013

Texto décimo primeiro

Frequentava o 8º ano de escolaridade, na maré baixa já meio serenada dos restos da década de setenta. A aula de História decorria na velocidade de cruzeiro do desinteresse generalizado da turma. Dentro dele, porém, o ritmo era outro, uma aceleração de curiosidade pelo passado que ilumina o presente, uma voragem de busca, no tempo que foi, de uma chave de interpretação do tempo que é. Uma avidez de conhecer, uma insatisfação da ignorância. Uma pressa.
(Hoje ele sabe que a História não ilumina nem interpreta: interessa, porque desenrola uma intriga; fascina, porque expõe o mistério do que cada um de nós é no eco do testemunho do que todos os outros já foram; e compromete, porque nos absorve na vaga da evolução das sociedades, corrida no tempo contra um tempo que há de vir.)
O professor apontava o mapa, continentes mergulhados nos oceanos daquela tela esticada entre duas ripas de madeira que uma fita medrosa suspendia de um camarão torcido, acima do quadro preto (ou seria verde escuro?). E explicava a viagem que definiria a rota do Cabo: a ida que se alargava generosa no Atlântico, barriga esperançada de dar à luz um qualquer Brasil a oeste, gerado no suor do polémico acordo de Tordesilhas; e a volta recheada de oriente, a obesidade das naus apoiada nos contornos reconhecidos da costa africana.
(Anos mais tarde, o reencontro casual com o professor, já desativado das lides docentes e enlatado num trabalho de gabinete que lhe satisfazia a resignada sobrevivência, deixou-o pensativo nos solavancos do autocarro: e se o Gama também se tivesse resignado à mera sobrevivência?...)
Frequentava o 8º ano de escolaridade, na maré baixa já meio serenada dos restos da década de setenta. E ali, naquela aula de História que decorria na velocidade de cruzeiro do desinteresse generalizado da turma, decidiu que queria ser professor.

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