terça-feira, 24 de setembro de 2013

Texto décimo quinto

Anna Karénina, de Lev Tolstoi. Centenas de páginas de romance em estado puro. O cruzamento perfeito entre a simplicidade da intriga e o complexo rendilhado de sentimentos das personagens. A história de Anna Arkadiévna é contada de forma magistral: da circunspeção exemplar e aparentemente inabalável até à espiral do delírio, mergulhamos no seu drama ao virar de cada página. Ou sentimos que ele se cola a nós e nos arrasta, como lhe faz a paixão por Vronski.
A intensidade e o sentido trágico deste amor acentuam-se pelo contraste com as outras histórias e as outras personagens, que são tudo menos dispensáveis nesta obra gigantesca: a diferença quase diametral entre Dolly e Kitty ajudam-nos a perceber a profundidade do drama vivido por Anna, num mundo agrilhoado por convenções sociais e códigos de moralidade. E Vronski, camuflado na sua digna vulgaridade entre Oblonski, Lévine, Kosníchev e todos os outros, torna-se o (im)provável amante numa paixão que, parece dizer-nos Tolstoi, está ao alcance de qualquer mortal. E quanto a Alexei Alexandróvitch? Como podemos manter-nos alheios à sua dor, como podemos escapar à simpatia, como não acariciaremos as palavras que descrevem o seu sofrimento cavado e elegante?  
Por trás de tudo, o cenário de uma Rússia imperial desgastada e teimosa, onde a escrita de Tolstoi parece antever a profecia de uma mudança. E, à frente, o infinito, a transcendência. O mistério do sentido da vida humana e do seu devir, afinal a única coisa que parece verdadeiramente interessar ao chegar-se à última página. Porque era o que lá estava desde a primeira.
Conheço algumas adaptações cinematográficas e televisivas deste livro. Nunca vi nenhuma. Porque não quero. Não acredito que seja possível traduzir em imagens a incomparável eloquência narrativa do mestre russo. Não se pode verter o oceano numa cova da areia.
Anna Karénina, de Lev Tolstoi: uma grande obra da literatura universal. Imprescindível. Eterna. 

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