terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Feliz Portugal em 2015!

Neste final de ano, partilho duas magníficas canções daquele que considero o maior representante da verdadeira música portuguesa.

Que o modo genuíno e profundo como Fausto nos diz em toda a nossa grandeza e fragilidade nos inspire a sermos mais portugueses e mais alegres neste país cada vez mais triste e cada vez menos nosso.

Feliz Ano Novo! Feliz Portugal!


domingo, 28 de dezembro de 2014

Texto trigésimo sétimo

Teatro.
Observar e observar-se no conflito diário das vontades entrechocadas, atravessar o tiroteio das paixões para que nunca se está preparado. Apesar dos ensaios. E sofrer com isso.
Teatro.
Ter a coragem de deixar-se observar, para que o público se veja a si mesmo. Sentir para dar a sentir o que se sente, comunicar para absorver, partilhar para encher-se, esgotar-se numa doação que busca a plenitude. E gostar disso.
Teatro.
A construção de uma realidade teatral, verdade possível nas mentiras de que se é capaz. Não há exibição, apenas a confissão humilde de quem vê a vida de outra forma. E sofre com isso. E gosta. Não de sofrer, mas disso.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal!

Natal.
Festa do Encontro.
Encontro de Deus com o homem.
Encontro do homem com o divino em si.
Encontro do homem com o Outro, divinização da sua precária existência.
Origem e destino. Sentido. Transcendência.

Feliz Natal!

sábado, 20 de dezembro de 2014

Texto trigésimo sexto

Escrevi O Poder e o Desejo em busca da Palavra. Não por tê-la encontrado e pretender traduzi-la, verter o seu bálsamo purificador em qualquer suposta ânfora das urgências da atualidade. Antes como uma procura primigénia: perseguir uma origem como quem vasculha nos astros a leitura de um rumo; alinhar as frases no gesto de deitar os pés ao caminho. À procura de um ponto de partida. A Palavra.
Fui ao encontro de um profeta ultrapassado pela verdade que o habita; esbarrei contra um pretenso soberano reduzido pelo poder do desejo; vi desabrochar a malícia numa virgem inocente, rendida ao desejo de poder.
Escrevi à procura; não sei o que encontrei. Estruturei uma tragédia: prólogo, párodo, alternância de episódios e estásimos, êxodo a concluir. Deixando em aberto. A vida humana caminha no escuro, por isso é tragédia. Irreversível nos atos, que não podem reparar-se sem contrição. Por isso é tragédia. No caminho escuro dos atos irreversíveis, necessitamos da profecia, de alguém que nos traga a Palavra. E que deixe em aberto.
Escrevi O Poder e o Desejo em busca da Palavra. Não sei o que encontrei. Entreguei o texto sem consumar a procura. Passei o testemunho aos atores, para que eles vão mais longe. E o transmitam ao público.
O Poder e o Desejo. À procura de um ponto de partida. A busca continua.

Ensaio:

  




(Fotografias de Jorge Figueiredo no ensaio de O Poder e o Desejo)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Texto trigésimo quinto

A vida no teatro.
Desejar. Ter medo. Avançar sem medo. Avançar contra o medo e apesar dele. Vencer o atrito do palco, suportar o flagelo das luzes, emergir da avalanche dos olhares. Enfrentar a própria pequenez, projetado numa grandeza maior. Transcendente.
A vida no teatro.
Estar preparado. Preparar-se. Treinar o desejo para mais desejar o transcendente. O bom ator não improvisa porque está preparado. E improvisa porque está preparado. Tudo é espontâneo, nada é casual. Os ensaios preparam para tudo, se soubermos preparar-nos para eles.
A vida no teatro: preparar-se para ensaiar, ensaiar para estar preparado. Desejar o transcendente e, por isso, transcender-se imparavelmente em desejo. O melhor ator não é o mais talentoso; é, antes, o mais bem preparado. E o mais insatisfeito.

Preparativos:


Aquecimento:




Ensaio:



(Fotografias de Jorge Figueiredo, no ensaio de O Poder e o Desejo)

sábado, 6 de dezembro de 2014

Texto trigésimo quarto

Teatro.
Escrever um texto dramático é buscar a Palavra, reduzi-la a palavras sepultadas no leito da escrita, esperar os corpos e as vozes que as ressuscitem. É um esforço lacunar, a noção humilde de ser o elo primário de uma cadeia transcendente, de cujo sortilégio poderá resultar a obra de arte. É forjar, com as ferramentas da escrita, uma matéria-prima, rude minério que valha a pena ofertar à alquimia do palco, onde, vertido em oiro, deixe de pertencer a quem o dá, sem que chegue a ser possuído por quem o recebe.
Teatro.
Representar uma peça de teatro é aceitar o sacerdócio de um rito onde se permanecerá sempre aprendiz. É irradiar uma força que se encontra no íntimo, oriunda de algo maior, distante para dentro, inacessível na sua plenitude. É expor-se, corpo presente aos olhares, espírito nos antípodas da exibição. É assumir-se na verdade possível, para assim poder exprimir, numa liturgia de vivificação, as palavras adormecidas que buscam dizer a Palavra.
Teatro.
Assistir a uma peça de teatro é comungar do processo criativo, receber o tesouro de mãos abertas, cerrar os punhos na dor do entendimento feliz que ele suscita, estender os braços na partilha urgente a que ele impele. Nenhuma outra arte espelha a vida tão cruelmente, nenhuma a transmite de modo tão inexorável. Porque ela própria é vida: gerada na ideia que lhe é alma, consubstanciada no texto que lhe é matéria, existente na duração do trabalho dos atores que lhe é história. E, findo o seu tempo, herdada na memória de cada espetador que lhe é sucessão.
Teatro. O Poder e o Desejo.
Em janeiro de 2015, a possibilidade de reunir autor, atores e espetadores. E fazer acontecer vida.
Vai valer a pena!



sábado, 29 de novembro de 2014

Texto trigésimo terceiro

Desde sempre, o fascínio. Terror e piedade.
A tragédia grega em toda a sua riqueza de mitos e valores, a vida contada em conquistas operadas por homens e destinos traçados por deuses. A provocação humana às forças que a transcendem, caminho cego por episódios de sinuosa escuridão. E a peripécia reveladora, o inevitável efeito. A catástrofe. E, por meio dela, a consciência de si, a descoberta da virtude. Terror e piedade. A catarse.
Desde sempre, o fascínio. E a interrogação, também. A força avassaladora, a pura imortalidade deste modelo primordial do teatro questionam todas as demais experiências históricas de dramaturgia onde, afinal, ela permaneceu. Na estrutura, na forma ou no tema. Terror e piedade. A catarse.
Desde sempre, o fascínio. E a interrogação, também. E o desafio, depois. A vontade de limpar a escrita teatral para chegar à essência de onde ela nasceu: a vida contada em conquistas operadas por homens e destinos traçados por deuses. Ainda que, no tema, a mitologia clássica, ventre que gerou a cultura europeia que (ainda) falamos, possa dar lugar à teologia judaico-cristã, tutora que a educou e que (ainda) a influencia. Terror e piedade. A catarse?
Desde sempre, o fascínio. E a interrogação, também. E o desafio, depois. E a tentativa, agora: O Poder e o Desejo. Um exercício trágico. Terror e piedade.
E a catarse?...

sábado, 15 de novembro de 2014

Texto trigésimo segundo

Escrever.
Escrever como Penélope: urdir uma infindável teia de sonhos, infindável porque de sonhos. Escrever ao contrário de Penélope: tecer no escuro da noite, encher o balão na densidade dos silêncios, rezando para que o espigão dos dias ruidosos retraia o seu furor e se compadeça da película ténue que envolve a fragilidade gasosa (espiritual?...) da criação.
E escrever, escrever sempre. A propósito e sem ele, nas horas disponíveis e nos intervalos do tempo que não há, nas intermitências de tudo e nas permanências de nada, a caneta ou a lápis, nos suportes próprios e impróprios, nos cadernos de qualquer outra coisa, nos versos dos talões do multibanco e nas frentes também, quando a impressão está sumida, no bloco de notas do computador portátil quase sem bateria e no rascunho de mensagens do telemóvel. E na memória, cada vez mais débil, onde a frase pensada e armazenada será mais tarde recuperada numa forma diferente.
Escrever como Penélope: entreter uma obra visível imperfeita à espera de um rei invisível, perfeito na minha ideia dele, que teima na demora de mostrar-se.
Escrever. Porque o ímpeto é irreprimível, porque a vontade dói de uma maneira insuportável. Escrever sempre. Porque outra coisa é impensável.

sábado, 8 de novembro de 2014

Acordai

Eram tempos em que crescíamos em estatura, inteligência e vontade. Eram tempos em que a coragem se armazenava dentro de nós como um perfume de essência poderosa. Eram tempos em que transportávamos todos os sonhos do mundo num relicário que nos cabia no peito. Não sabíamos o que viríamos a ser, mas acreditávamos que poderíamos ser tudo o que quiséssemos.

Depois, veio o conformismo, a sedução do conforto, um certo pragmatismo resignado que se estendeu como uma manta de realismo falso sobre a indómita ousadia de outrora.

Esta canção verdadeiramente heróica era cantada por nós nesses tempos, no coro da Escola Secundária. Com ela, e com muitas outras, aprendi o poder da palavra, a força da música, a urgência da arte. E a necessidade absoluta de continuar.

Acordemos!

domingo, 2 de novembro de 2014

Texto trigésimo primeiro

Morrer é partir um pouco.
Foste-te embora num adeus anunciado, demorado numa dor arrastada insuportável, numa súplica muda lancinante. Querias ficar, eu sei: na tua vida toda de queixumes havia um medo mascarado, uma angústia de perda no infinito rosário das tuas confissões magoadas, uma saudade antecipada nas tuas recorrentes invocações de fim. Uma nostalgia assustada na pressa. Um exorcismo.
Viveste sonhando que vivias, sonhaste que vivias sonhando. Entre a ocasião e a impossibilidade, foste um querer-ser. Exististe à espera de uma consumação da qual fugias.
E morreste. Partiste com tudo o que me fica de ti, permaneces em tudo o que levas de mim. Há uma aproximação irreprimível neste afastamento definitivo de ti que revoga a intransponível distância que sempre cavámos entre nós, um abraço de morte que tritura duas vidas de costas voltadas. Ou que as recompõe. Um exorcismo?...
Morrer é partir um pouco. E ficar muito mais. Porque só morrerás definitivamente neste mundo quando eu deixar de chamar por ti.
- Mãe!...

sábado, 25 de outubro de 2014

Texto trigésimo

Nos primeiros anos percorreu o caminho de ida e volta de casa para a escola pela mão da mãe, que ia ficando mais pequena à medida que a sua crescia, sem que isso diminuísse o vigor com que a mão maior segurava a mais frágil e sem que se alterasse a relação de forças com que a mãe o dominava. Foi talvez na quarta classe, ou perto do final da terceira, que ele foi autorizado a regressar sozinho a casa no final do dia. De manhã, o acompanhamento da mãe no percurso de ida era, mais do que uma certificação da pontualidade dele, uma tranquilidade para os nunca exteriorizados receios dela.
A mãe nunca deixou de sofrer por ele, de se sobressaltar na contínua imaginação, que ela tinha como premonição segura, de todas as possíveis fatalidades que nunca ocorreram. Sempre ocultou todos os sustos no ênfase de controlo de tudo que alardeava e, por isso, ele sempre descansou na descontração dela em que piamente acreditava. Nunca supôs que ela dissimulasse qualquer espécie de medo. Nunca duvidou de que a pressão que ela exercia sobre ele fosse outra coisa para além de uma desconfiança quanto ao seu cumprimento. E terá nascido nessa altura a ideia, que ele desenvolveu ao longo dos anos, de que ela lhe reconhecia uma fragilidade de caráter que fazia com que não gostasse dele.
— Quando acabar a escola, voltas imediatamente para casa – dizia ela, invariavelmente, no seu tom controlador, cujo asserto o manietava. – Ai de ti que te demores em algum lado!...
Assim, o caminho para casa era sempre apressado, o que lhe impedia a observação, a descoberta e o desvio que sempre moldam os anos de infância a caminho da adolescência. Ele nunca se desviou, porque sabia que a sua mãe não queria. E, para ele, nada era mais importante.
Saía da escola e atravessava a avenida, numa linha perpendicular à porta em arco que, a determinada altura, foi pintada de verde. Depois, sempre pelo passeio e com extremo cuidado, se era inverno, para se desviar das poças de água que poderiam encharcar-lhe as botas, único calçado de que dispunha para todo o ano letivo, descia até ao entroncamento da estrada. Aí havia uma papelaria, onde, anos mais tarde, passaria a vir quase diariamente. Contornava-a e continuava a seguir pelo passeio agora largo, cruzando-se com mulheres da idade da sua mãe que, domésticas como ela, percorriam aquela zona às compras ou passando o tempo. Também se cruzava com rapazes e raparigas mais velhos, que se moviam em grupos com uma descontração que o perturbava. Depois de passar a padaria, uma das lojas onde mais tarde seria conhecido pelo nome, avistava já as arcadas dos prédios onde morava. Depois do maior café do bairro, em cuja esplanada várias pessoas, homens e principalmente mulheres, ostentando uma condição social pretensamente superior que estavam convencidas de possuir, prolongavam a tarde ao sabor de chá e torradas, havia uma sapataria cujo dono era amigo de infância da sua mãe e tinha um nome bíblico que ele só quarenta anos mais tarde voltou a encontrar em alguém. A seguir, o supermercado a que a sua mãe amiúde recorria para solucionar qualquer súbita falha detetada na despensa, dizia-lhe que tinha chegado. O supermercado era a loja do prédio onde morava, no último andar que se abria em vista panorâmica sobre o bairro.
Quando tocava à campainha, respirava de alívio: não se tinha desviado nem atrasado, a sua mãe ficaria satisfeita.

sábado, 18 de outubro de 2014

Teatro: «O Evangelho segundo Pilatos»

«Sempre preferi adensar os mistérios a resolvê-los. […] Um mistério, desde que obtém uma solução, deixa de o ser, pois não nos oferece mais nada para pensar.»
Este excerto que transcrevo do texto de Éric-Emmanuel Schmitt incluído na folha de sala do espetáculo O Evangelho segundo Pilatos atualmente em cena no Teatro da Comuna, exprime bem o sentido da obra literária e dramática deste extraordinário autor. Ao mesmo tempo, revela a principal razão pela qual a mesma me fascina.
Quando li O Evangelho segundo Pilatos, há uns anos atrás e na sua forma original de romance, fiquei imediatamente rendido. Não só pelo facto de abordar um tema que me apaixona enquanto ser humano e amante de História (a controvérsia sobre a figura histórica de Jesus de Nazaré, a sua vida e as peripécias da sua morte, a crença na sua ressurreição e a eclosão do Cristianismo), mas também – e sobretudo – pela audaciosa profundidade da sua abordagem e pela inteligência provocadora com que deixa tudo em aberto. Éric-Emmanuel Schmitt, que vem da Filosofia para as Letras, não escreveu o livro para partilhar a sua resposta, mas para semear a interrogação no íntimo de cada leitor. De facto, questionar a figura de Jesus e a realidade do Cristianismo, pôr a si próprio o problema da Incarnação e da Ressurreição é, quanto a mim, refletir sobre coisas essenciais do mistério do ser humano: expectativa, sonho, medo, destino, sacrifício, festa. Vida e morte (e Vida outra vez?...). Por experiência afirmo que é um caminho que mais e mais nos aproxima de nós mesmos.
O próprio Éric-Emmanuel Schmitt, exímio dramaturgo, adaptou o romance para teatro. É essa versão que temos agora a oportunidade (absolutamente imperdível!) de ver, até 23 de novembro, no Teatro da Comuna.
Neste espetáculo, a brutal urgência do texto é acentuada pela frugalidade da encenação e pela verdade corajosa do trabalho dos atores (pontuada por momentos brilhantes). Tudo ao serviço do texto. Tudo para que fiquemos sós diante das palavras ditas, que nos envolvem como o vento do deserto judaico cerca Pilatos nas dúvidas que o tornam refém de uma interrogação profunda que em nós se prolonga.
O Evangelho segundo Pilatos, no Teatro da Comuna. Um mistério a não perder!


domingo, 21 de setembro de 2014

Conversando... sobre Penélope (3)


O conto que escrevi para o concurso «Liberdade, Medo e Solidão» (e que será publicado na coletânea Penélope) foi, sobretudo, uma experiência de regresso projetado, uma espécie de revivência, com valor acrescentado, de um tempo de juventude inocente em que eu, descrendo na minha persistência na longa duração da escrita de um romance (que achava que nunca seria capaz de concluir), me refugiava no formato reduzido e, por isso, mais confortável, do conto. Aí treinei sucessivamente a prosa, sempre à procura de um estilo ou, melhor dito, de uma maneira própria de escrever.
Em virtude da esmagadora exigência que sempre apliquei a mim próprio em tudo, nenhuma das tentativas literárias desse tempo sobreviveu ou alcançou forma suficientemente definitiva que merecesse passar o apertado crivo da minha censura e afirmar-se como obra acabada. A minha escrita, treinada no conto, nunca completou nenhum. E depois, o apelo do teatro fez-me descobrir um género onde me concretizei com maior eficácia e, assim, operou na minha escrita um desvio que me afastou diametralmente da prosa narrativa durante vários anos.
Por isso, já «reconciliado» com essa mesma prosa narrativa após a publicação de Nós, Vida, aceitei o desafio de participar neste concurso de contos e lancei-me com redobrado ânimo sobre esse formato da minha escrita de outrora, entretanto abandonado. Fiz-me a ele com a mesma inocência juvenil, mas este regresso levou-me a outro lugar, o passado em que me apoiei empurrou-me para uma novidade de futuro. De facto, nada em mim é já igual ao tempo em que procurava palavras indecisas para dizer o que não sabia. É a mesma, a ternura com que ataco a escrita, é o mesmo respeito, a mesma noção de fragilidade diante do Absoluto, a mesma pequenez das palavras perante a Palavra, o mesmo medo de ficar aquém. Mas passaram alguns anos, pisei vários caminhos em que a vida me pisou e, por isso, são agora mais poderosas as armas, as munições de mais grosso calibre. Ao escrever este conto, senti algo que nunca tinha escrito, escrevi como nunca sentira antes. E percebi uma porta entreaberta, uma inspiração para continuar. O futuro...
Por aquilo que provocou em mim, digo que este conto, a publicar na coletânea Penélope, é uma das melhores coisas que escrevi. Faço votos para que se torne uma boa leitura para os leitores. E que valha a pena!...

Aqui deixo, novamente, a ligação para a plataforma onde poderão apoiar o projeto de lançamento do livro:
http://livrosdeontempt.us5.list-manage.com/track/click?u=33e0c1d61fe5440bfe2c7c1d5&id=ae201a07a1&e=8ad56dbd5e

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Conversando... sobre Penélope (2)

A oportunidade de participar no concurso «Liberdade, Medo e Solidão», promovido a partir de uma parceria entre a Editora Livros de Ontem e a plataforma The Art Boulevard , constituiu para mim um desafio particularmente grato: o de escrever a partir de um tema, obrigando-me a expandir a criatividade no horizonte de condições definidas e respeitando critérios específicos. Dizer que a total liberdade é a melhor fonte de inspiração não passa, quanto a mim, de uma mistificação ou de um lirismo: é mais rico o périplo do turista que se apresenta na cidade munido de um guia de visitas do que o daquele que chega simplesmente apetrechado de uma completa ignorância do local.
Além disso, a própria situação de concurso, cujo resultado - a seleção de dez contos - dependeria da apreciação de um júri, impeliu-me a um redobrado esforço de excelência, a um exercício maior de superação. É verdade que, para mim, escrever é a tentativa de ser mais eu e quase sempre sinto que as palavras me ultrapassam. Participar num concurso aumenta este impulso de transcendência, porque, de alguma forma, sabemos que existem outros autores na mesma prova, há uma noção de esforço paralelo que empurra, uma espécie de sincronia de valor acrescentado, como se a sobreposição simultânea da escrita de uma palavra lhe alargasse o campo semântico.
Não sei se é por tudo isso que considero o conto que escrevi (e foi selecionado!) para a coletânea Penélope um dos textos de minha autoria de que mais gosto. Acredito que gostarei mais ainda dos outros que compõem o livro. Rever-me-ei, decerto, em alguns deles. E nas fotografias também (o que sentirá o autor daquela que acompanha o meu conto?...). É essa sintonia de criação, a par com a riqueza da diversidade, que torna uma iniciativa destas tão fascinante.
A não perder!...
O link para conhecer e apoiar este projeto em crowdfunding é este:

sábado, 30 de agosto de 2014

Conversando... sobre Penélope

Penélope.
Este é o título da obra cuja publicação está para breve: uma coletânea de dez contos que inclui outras tantas fotografias e uma ilustração de capa. Todo este conteúdo resultou de uma apurada seleção após concurso, subordinado ao tema «Liberdade, Medo e Solidão». Há ainda uma colaboração especial de Edson Athayde.
Esta iniciativa, fruto de uma parceria entre a editora Livros de Ontem e a plataforma The Art Boulevard, tem um significado especial para mim, já que um dos contos selecionados e incluídos na obra é da minha autoria!...
O conjunto da obra, garanto!, promete grande qualidade. A capa já é pública. Aqui está:

Como é apanágio da Livros de Ontem, o projeto está, neste momento, em fase de divulgação para apoio em crowdfunding, um conceito (revolucionário?) de promover a literatura, que recorre a uma implicação direta dos leitores, os quais, mediante o seu apoio, fazem do livro uma «coisa sua», mesmo antes de ele chegar às livrarias, ao mesmo tempo que estabelecem um vínculo mais personalizado com os próprios autores.
Aqui fica o link de acesso:
http://livrosdeontempt.us5.list-manage.com/track/click?u=33e0c1d61fe5440bfe2c7c1d5&id=ae201a07a1&e=8ad56dbd5e

A todos os que se dispuserem a participar no apoio a esta iniciativa, desde já o meu sincero agradecimento!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Texto vigésimo nono

O externato que ele frequentou durante todo o primeiro ciclo (a escola primária, como então se chamava) situava-se a meio de uma pequena avenida da qual herdou o nome, uma via com dois sentidos de tráfego separados por placas centrais arborizadas.
Ao cimo da avenida havia um pequeno parque florestal, a “mata”, como todos lhe chamavam, implantada em homenagem a um pintor de referência do Naturalismo português, cujo busto se erguia a meio da rampa de entrada. Todos os dias, ou quase, ele olhava para o portão da mata, quando entrava ou quando saía do externato. Porém, o mundo que jazia para lá desse portão pouco ou nada significava para ele. Tomava consciência da vegetação frondosa daquele pulmão urbano de um modo distante e indiferente, na completa ignorância do valor que lhe daria anos mais tarde.
O caminho de casa para a escola não passava pela mata. Fazia-se por baixo, pela estrada com a qual a avenida confluía. Ou, será mais correto dizê-lo, da qual ela partia. No vértice do ângulo que as duas vias formavam, erguia-se a igreja paroquial, construção iniciada no século XVIII com materiais e homens desviados da obra do Palácio de Mafra, segundo diziam as más línguas. Contribuía para a lenda, não obstante a distância geográfica, o nome do arquiteto, o mesmo do Real Edifício, e a coincidência de datas dos projetos. A ser verdade, tal contrabando de pedra, estruturas e mão de obra não acelerou a construção, já que a empreitada de edificação da igreja paroquial se arrastou por longo tempo, só ficando concluída no início do século XIX, para ser dedicada ao culto em 1809.
Ele haveria de entrar muitas vezes na igreja, de muitas outras passaria diante dela como se lá entrasse e de outras ainda transportaria consigo a sensação de estar lá dentro para todas as distâncias que dela o afastassem. Porque aquela igreja tornar-se-ia uma referência absoluta na sua vida muito antes de ele o perceber e continuaria a sê-lo mesmo quando ele já não o percebesse.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Texto vigésimo oitavo

Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Uma pequena(?) história de insondável profundidade. Onde o enredo é mera superfície espelhada para um abismo de análise do ser humano: os sonhos, as inseguranças, as ambições insatisfeitas, os falsos refúgios, a cobardia das decisões não tomadas, a esterilidade da resignação às convenções.
Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Lemos o livro e é como se ele nos lesse a nós, folheamo-lo e ele devora-nos, aponta-nos cruelmente o dedo suave com que viramos as páginas. Porque nós estamos ali, irreprimivelmente ali, naquelas personagens intemporais do vitorianismo tardio da Londres dos anos vinte. Estamos na chama anestesiada de Clarissa Dalloway, nas amachucadas interrogações de Peter Walsh, no alívio ridículo de Hugh Whitbread e no êxito social de sir William Bradshaw. Estamos na revolta de Lucrezia Smith e na conversão desidratada de Sally Seton. E na correção cinzenta de Richard Dalloway. E também (assustadora constatação!) na tortura sem saída de Septimus Warren Smith.
Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Uma angústia que se apodera de nós ao longo da leitura, porque já morava em nós antes dela. Porque é a angústia do ser humano em busca de sentido, em busca de si próprio, em busca de um sentido em si próprio. Precisamos da angústia que nos alimente a luta para nos livrarmos dela.
Mrs. Dalloway. Virginia Woolf à procura de uma saída.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Dizer a Imagem 5: Derrame


Derrama-se a vida como a água se derrama. Compacta na sua transparência, poderosa na sua liquidez, inexorável no fluido.
Derrama-se a vida como a água se derrama. Vem de um vazio de alturas invisíveis, espraia-se na imensidão de uma inexistência, na forma de um nada, onde limos e nenúfares apenas dão cor a um falso entendimento. 
Derrama-se a vida como a água se derrama. Define-se numa fórmula, revela-se em propriedades, desdobra-se em aplicações. E permanece ausente em si mesma, dona de silêncios, rainha do mistério.
Quem me dera inverter a leitura! Ser capaz de içar-me ao invés do derrame, caminhar do nada onde me acabo para o vazio da origem! E perceber…  

(Fotografia de Jorge Figueiredo)

sábado, 26 de julho de 2014

Nona alegoria

Sentados à lareira
Nós os dois
A sós
Na melancolia das chamas
Desenhadas
No tiquetaque das palavras
Esboçadas
No veludo dos gestos
Cobiçados
No outono das lembranças
Inventadas
Sentimos
De olhos fechados
Corpo esquecido
Alma aberta
O cristal de uma afeição
Desejada

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Conversando... sobre um Grammy

Não há palavras bastantes para dizer o discurso inicial do contrabaixo, o veludo das frases que depois se transforma numa cadência de sobressaltos sensíveis, quase silábicos.

Não há sentimento bastante para vibrar com a reverência humilde do cantor que, em dois minutos de silêncio expectante, se prepara para construir um momento artístico sublime.

Não há virtude para admirar a coragem da voz que ousa lançar-se num diálogo sem rede com um instrumento que a expõe enquanto a acompanha, que a desnuda ao mesmo tempo que a envolve.

Uma canção belíssima, na letra e na música, aqui elevada mais acima numa interpretação transcendente. Um enorme contrabaixo! Uma voz maior!

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Texto vigésimo sétimo

Adolescência. As férias eram passadas na cidade. Na solidão passeada nas ruas. No olhar desenrolado em volta, preso por dentro num silêncio curioso e derramado sobre as monotonias de asfalto e calçada, o prumo dos edifícios, a fluidez da gente. Ou nas quatro paredes do quarto, a meditação claustrofóbica alternando com os gritos mudos desenhados, o mergulho a pique na leitura intercalado com as braçadas vigorosas da escrita incipiente.
Adolescência. As férias eram isolamento, descoberta de si, procura interrogada, esboços de resposta, reticências. O excesso de solidão tornou-o incompreendido, ao mesmo tempo que gerou nele uma perceção maior de tudo. A quietude debruçada divorciou-o de uma realidade de ocupação e conquista, segregou-o para uma nuvem de afastamento e dádiva. O mundo dos outros vibrava-lhe dentro numa espécie de infrassons de comoção e delírio.
Adolescência. Todos o julgavam insensível e vazio, enquanto ele crescia para albergar em si toda a realidade que observava, para inventar uma utopia que lhe superasse o desgosto do que via. Desconstruía na mente e reconstruía no sonho.
Um dia parou de crescer. Maturidade. Teve de enfrentar a vida fora de si. Revestiu-se de uma roupagem de relações, decidiu tornar-se alegre e comunicativo. Todos, à sua volta, saudaram a sua sensibilidade adquirida, a sua riqueza interior revelada. O companheiro que se ganhara.
Só ele teve noção do que se perdera. Só ele soube.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Conversando... sobre Sophia

Um texto avassalador, alicerçado na lenda da promessa verbalizada pelo Duque de Gandia (Francisco de Borja, futuro jesuíta canonizado) ao contemplar o cadáver já decomposto da imperatriz de Espanha (Isabel, filha do rei de Portugal D. Manuel I), por quem se apaixonara.

Na lamentação do Duque feita poesia pelo génio de Sophia de Mello Breyner Andresen, é possível ler - e ouvir, nesta belíssima interpretação de Rita Loureiro - a amargura de um povo de esperanças decompostas, a desilusão coletiva desenhada na dicção perfeita das palavras duras, um véu de descrença lançado pelo olhar que traduz, na sua profunda inexpressividade, a crispação do poema.

Mas a ruína do que nos é querido pode provocar a sublimação da vontade de querer, a visão da decadência do corpo pode gerar a explosão de tudo o que é espírito (e de que o próprio corpo faz parte). Ressurreição para uma vida outra, necessariamente outra, não dominada por valores perecíveis que iludem e matam.

Liberdade.

Obrigado, Sophia!

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Dizer a Imagem 4: Tu


O coração aberto em que te insinuas é o cadeado em que te fechas. Seduzes-me no meneio ondulado das tuas curvas paradas, no requebro das pregas em que te vendes. E repeles-me na frieza branca da tua dureza exposta, na ausência de cor em que a tua imagem se esconde.
Atrais-me no que me afasta de ti. És intocável na tua imensa possibilidade. Desenho-te um rosto, sonho-te uma alma no corpo em que te mostras.
Quem és tu?

(Fotografia de Jorge Figueiredo)

sábado, 21 de junho de 2014

Conversando sobre... música brasileira

Chico Buarque de Hollanda é um dos nomes maiores da Música Popular Brasileira e é, ao mesmo tempo, um poeta de elevadíssimo nível. Admiro-o como escritor, compositor e intérprete.

Na comemoração dos seus setenta anos de idade (o seu aniversário ocorre a 19 de Junho), partilho aqui uma das suas melhores canções. Considero-a genial sob todos os aspetos: a simplicidade da melodia, o brutal intervencionismo da letra, o forte impacto do arranjo orquestral. E, principalmente, a perenidade da sua mensagem.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Conversando... sobre a Língua Portuguesa

Um Grande Senhor do teatro brasileiro dizendo um Grande Texto de um Grande Escritor da língua portuguesa.

O abraço de uma voz quente que diz a força da palavra escrita.

Para que precisamos de mais Acordos?...






sexta-feira, 30 de maio de 2014

Texto vigésimo sexto

Quando eu morrer
Jovem na força da vida
ou velho a decair
Não quero que me chorem
e não corem
se tiverem vontade de rir
Não quero que ponham luto
ou espalhem cinza no coração
da canção
E lá, no alto do cerro,
não calem o puto
que gargalhar no enterro
do desterro.

Que eu quero ser enterrado
ao lado
dos altos montes que demandei
Para depois olhar de cima
a  cruz-razão da minha rima
do lugar que saberei.

Quando eu morrer
saibam  que morri
e lembrem-se de mim.

E, enquanto eu viver,
Sorriam-me, odeiem-me
cuspam-me em cima
Elevem-me e apeiem-me
do pedestal da estima
Mas não me entreguem à noite esquecida
não me abandonem à minha sorte
Que eu quero viver para além da morte
Não quero morrer em vida.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Conversando... sobre uma estreia

Há textos assim: desvendam-se profundamente na clareza com que nos desvendam; dizem-nos brutalmente na nudez em que se dizem.
Há escritores assim: escondem-se na frágil gaiola dourada das palavras robustas que tecem; revelam-se nessa urdidura inocente e necessária. Inocente porque necessária. E expõem-nos, escancaram-nos impiedosamente naquilo que escondemos, no modo como o escondemos.
Cassiopeia, a nova peça escrita por Miguel Graça, a cuja estreia tive o privilégio de assistir, é assim. Mas é muito mais. É uma encenação de Pedro Caeiro suficientemente corajosa para servir o texto sem nunca ceder à tentação mesquinha de servir-se dele, num arrojo minimalista de que resulta uma plenitude esmagadora. É um trabalho dos atores (David Esteves, Joana Ribeiro Santos e Vítor Silva Costa) que se alimenta da escrita a que se entrega, numa generosidade sacrificial, num ritual de talento e suor.
O resultado de tudo isto é uma obra de arte de uma consistência dolorosa e libertadora. Pelo menos, foi assim que eu a vi.

A não perder. Só até domingo. No Teatro Taborda.


sábado, 3 de maio de 2014

Almada Negreiros

Recordo-me de ter lido pela primeira vez este texto no enunciado de um teste, quando era aluno do 8º ano. Sobre ele tive de responder a questões de interpretação e gramática. Já não me lembro quais eram, nem o que escrevi a propósito delas. Mas o texto permaneceu na minha memória, inapagável na sua profundidade e beleza.
É isto, a literatura!

MÃE
Poema de Almada Negreiros

Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei.
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
  
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
  
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
  
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dizer a Imagem 3: Ainda me lembro

Ainda me lembro do balanço acelerado, a vertigem de vermelho. Foram tempos de aventura sem planos, de abrir caminhos na aridez deserta, de arriscar o futuro no desdém das heranças, de reduzir a escombros para esculpir nas pedras. De geração no caos.
Ainda me lembro de ouvir dizer o medo da vertigem, de tropeçar no eco das profecias do fim da aventura. Que a bagagem das ideias seria largada como lastro incómodo à medida que escasseasse a energia combustível, num avanço cada vez mais lento face à inércia de tudo. Cedência gelatinosa à sedução dos interesses.
Ainda me lembro daquilo que já só resta lembrar. Neste vermelho desbotado, desacreditado, imobilizado na mata seca, degeneração de uma prosperidade efémera, as casas que se erguem mais à frente são muros que aprisionam, vigilantes na distância. Para que o bosque não possa estender-se em sinfonia frondosa, antes esbarre na falácia das árvores cuja sombra não chega para todos.
E, mais além, o céu azul. Inatingível.
Liberdade.
Ainda me lembro.

(Fotografia de Jorge Figueiredo)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Sobre William Shakespeare

Ainda a propósito do 450º aniversário do nascimento do grande escritor e homem de teatro, não posso deixar de prestar-lhe a minha homenagem e exprimir a minha admiração pela magnífica obra que ele nos legou. O modo como soube aproveitar os recursos da sua língua – e a capacidade de reinventá-la – para expressar tudo o que há de mais profundo e intemporal no ser humano; o modo como se inspirou em tradições e lendas conhecidas para nos transmitir a essência oculta da humanidade – do sublime ao mais negro; o modo como, enfim, plasmou tudo o que nos quis dizer numa escrita simultaneamente densa e aberta, suscetível de todo o tipo de apropriações, traduções, versões e interpretações, sem nunca perder a sua verdade essencial: tudo isso supera absolutamente o que estas minhas impotentes palavras tentam dizer.
A literatura, a escrita teatral, o próprio teatro não seriam decerto o que hoje são sem o contributo esmagador de William Shakespeare. A ilustrá-lo, partilho aqui um excerto de Hamlet (Ato IV, Cena 4) que aprecio particularmente. Para saborear na versão original.

«HAMLET
[…] What is a man,
If his chief good and market of his time
Be but to sleep and feed? a beast, no more:
Sure he that made us with such large discourse,
Looking before and after, gave us not
That capability and god-like reason
To fust in us unused. Now, whether it be
Bestial oblivion, or some craven scruple
Of thinking too precisely on th’event –
A thought which quartered hath but one part wisdom,
And ever three parts coward – I do not know
Why yet I live to say “This thing’s to do,”
Sith I have cause, and will, and strength, and means,
To do’t… Examples gross as earth exhort me.
Witness this army of such mass and charge,
Led by a delicate and tender prince,
Whose spirit with divine ambition puffed
Makes mouths at the invisible event,
Exposing what is mortal and unsure
To all that fortune, death and danger dare,
Even for an egg-shell… Rightly to be great
Is not to stir without great argument,
But greatly to find quarrel in a straw
When honour’s at the stake. […]»

William Shakespeare, Hamlet, Act IV, 4.