sábado, 15 de novembro de 2014

Texto trigésimo segundo

Escrever.
Escrever como Penélope: urdir uma infindável teia de sonhos, infindável porque de sonhos. Escrever ao contrário de Penélope: tecer no escuro da noite, encher o balão na densidade dos silêncios, rezando para que o espigão dos dias ruidosos retraia o seu furor e se compadeça da película ténue que envolve a fragilidade gasosa (espiritual?...) da criação.
E escrever, escrever sempre. A propósito e sem ele, nas horas disponíveis e nos intervalos do tempo que não há, nas intermitências de tudo e nas permanências de nada, a caneta ou a lápis, nos suportes próprios e impróprios, nos cadernos de qualquer outra coisa, nos versos dos talões do multibanco e nas frentes também, quando a impressão está sumida, no bloco de notas do computador portátil quase sem bateria e no rascunho de mensagens do telemóvel. E na memória, cada vez mais débil, onde a frase pensada e armazenada será mais tarde recuperada numa forma diferente.
Escrever como Penélope: entreter uma obra visível imperfeita à espera de um rei invisível, perfeito na minha ideia dele, que teima na demora de mostrar-se.
Escrever. Porque o ímpeto é irreprimível, porque a vontade dói de uma maneira insuportável. Escrever sempre. Porque outra coisa é impensável.

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