domingo, 25 de outubro de 2015

Décima terceira alegoria

Não se apaga
este invisível que arde por dentro
Labareda nuvem sopro corpo
que preenche.

Não se cala
este silêncio que jorra no íntimo
Grito pausa vertigem espera
que perdura.

Não se trava
este infinito breve tudo
Sonho perda conforto lágrima
que é.

Eu em ti
Tu em mim
Nós nos outros
Os outros no Outro
O Outro em mim.

Presença.
Amor.

domingo, 18 de outubro de 2015

A pulsação da fé

Há um cheiro de corpo nesta música.

Há um toque de terra neste corpo.

Há um sabor de vida nesta terra.

Há uma visão de eternidade nesta vida.

E tudo isto ressoa na transcendência destas imagens, montra de uma essência que aos sentidos se revela, mas que só noutra dimensão se apreende. E noutra ainda se experimenta.

A pulsação da fé.

sábado, 10 de outubro de 2015

Texto quinquagésimo segundo

Franqueza: a escrita limpa, palavras certeiras inscritas no ritmo de uma pontuação musical, perfeita. Franqueza: representações honestas, despretensiosas na busca de algo mais longe, artístico. Franqueza: direção transparente, libertadora de fragilidades e atenta na restrição dos detalhes, cuidados.
Franqueza. E ironia, acima de tudo. Simplicidade na maneira de dizer o que há de mais complexo: o lado negro do ser humano. Ironia: inspiração amadora gritando a premeditação, o trabalho continuado dizendo os impulsos espontâneos. Ironia: o gosto de rir com vontade dos desgostos alheios, o cómico dos dramas da vida dos outros que seriam tragédias à nossa porta.
Franqueza. Ironia. E vontade de rir. Tudo tão bem feito (e não foi por mim!...).
Que inveja! Apetece-me matar alguém…

domingo, 4 de outubro de 2015

Ficção XIII - Memória de nunca

Como dizer-te a memória do que nunca aconteceu?... O aceno vago de te ver passar no outro lado da rua leva no gesto o desejo voluptuoso de uma carícia aveludada que não. O beijo assético na face de te encontrar por acaso contém a ânsia indizível do abraço de sentir o teu corpo fresco de primavera, quente do perfume de ti que nunca. A conversa circunstancial à mesa do café arrasta por dentro a vontade sem cura de uma intimidade subterrânea insaciável, de corpo e alma que jamais.
Como dizer-te a memória do que nunca aconteceu?... Conheço-te e nunca estive contigo. Coincidimos numa existência que nos martiriza nesta partilha de espaço e tempo em que, presentes um ao outro, nunca poderemos pertencer-nos. Porque há em ti uma juventude de sonhos solteiros que zarpam para um mar alto distante da minha velhice celibatária ancorada num porto de cobardias recalcadas.
Como dizer-te a memória do que nunca aconteceu?... Teríamos podido ser felizes se, no jogo da vida, a distribuição das cartas nos favorecesse com trunfos simultâneos. Mas agora já não e depois ainda jamais. Estou contigo e não poderei conhecer-te, porque a tua juventude de sonhos solteiros é o avesso da minha velhice celibatária. Resta-nos, pois, este olhar com que nos contemplamos de costas voltadas, este abismo de gerações em que vemos por dentro das nossas existências separadas a vida comum de que somos feitos.
Como dizer-te a memória do que nunca aconteceu?... És a aventura do meu medo, eu sou a imobilidade do teu impulso. Cascata límpida do meu lodo, amarga esclerose do teu florir. E assim, neste inverso de sermos, lembro-me em ti de tudo o que até agora, lembro-te em mim de tudo o que a partir daqui. Tu trazes-me à memória tudo o que nunca. Mas… como dizer-te?...