domingo, 22 de novembro de 2015

Texto quinquagésimo quarto

Dói demais esta distância de olhar-te e não te reconhecer quem foste. Dilacera-me este muro de te ver olhares-me sem saberes já lembrar quem sou. E mergulho impotente neste abismo de lágrimas raivosas, escorridas na pele resignada na aceleração do choro.
Fecho os olhos embaciados para te rever antiga, no sorriso jovem com que me iluminavas a infância e dizias o meu nome entre as carícias e repreensões com que me educaste. Foram tempos de ternura e firmeza, dedo esticado e abraço quente, em que me fizeste aquela que sou. Alegrámo-nos juntas nas confidências que sofremos a meias, unidas no riso e solidárias no pranto. Foste minha mãe acima de tudo, fui tua filha mais que todos. Cresci nesta inexorável aproximação a ti.
Agora estamos frente a frente e não somos. Apagaste-te num muro invisível que se ergueu sem tu esperares, que te emparedou sem eu querer. Não há entrada para ti nessa prisão do pensamento ausente, não há saída para mim deste labirinto das emoções visíveis. Choro assim, impotente, este inexorável afastamento de ti.
Dói demais esta distância de olhar-te e não te reconhecer quem foste. Dilacera-me este muro de te ver olhares-me sem saberes já lembrar quem sou. Porém, estamos aqui, porque existimos. És a minha mãe mais que nada. Sou tua filha apesar de ninguém.

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