domingo, 31 de janeiro de 2016

Dizer a imagem 12 - Quem...?

Quem me solta estas mãos acorrentadas ao relógio, suspensas numa duração repetida, hirtas nesta prisão do tempo, passagem permanente e imóvel?
Quem me agarra este relógio que as mãos não largam, desejosas de escondê-lo, teimosas neste gesto de prestidigitação que não conseguem, expressão de um medo que abraçam?
Quem me concede o tempo de perder tempo na busca de um tempo diferente de ser?
As mãos agarram o relógio que as não larga. O rosto grita o silêncio que não se cala. O corpo, negra eloquente camuflagem, diz o relógio que se diz nele.
Quem…?

(Fotografia de Jorge Figueiredo, no ensaio de O Relógio)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Dizer a imagem 11 - Relógio

Relógio.
Os elos desfocados da retorcida corrente são impotentes para ofuscar o brilho do mostrador barroco. Barroco na excessiva ornamentação do seu espelho, no rendilhado da moldura que encaixa o vidro como vitrina. Barroco no tenebrismo de onde surde todo o precioso conjunto, irradiando um fulgor matemático de contagem.
Relógio.
São barrocas também as palavras que dizem o delicado objeto, como é barroco o tempo que ele nos diz: um rigor medido em ponteiros giratórios sobre um círculo de marcas, uma aparência deslizante mascarando um sobressalto de entranhas. Um assomo de ordem sobre a bruma dos mistérios do ser.
Relógio.
Um mecanismo de intenções exposto na arte de um mostrador. E os ponteiros inexoráveis: o que somos do que já não, o que sonhamos no que ainda talvez. Existência e essência. Tudo.
Num relógio.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Teatro: «Uma Rua em St. Louis»

Somos sempre um passado que nos pesa. Uma espiral de recordações que nos entontece e desequilibra. Viver é buscar uma salvação algures onde outrora nos perdemos.
Há um cenário excessivo que pesa no rangido das tábuas, pesa no sufoco das luzes, derramadas como veludo de reposteiros. Pesa no saboroso drama que se desenrola ante os nossos olhares atentos.
Há uma espiral de recordações que entontece o escritor Eugene, à procura de si próprio no labirinto das suas perdições, entontece os fantasmas que invoca na sua busca, a mãe e o irmão que se transformam noutros de si próprio(s). Entontece-nos a nós, na truculência das mutações com que nos desequilibra a inércia de espectadores passivos.
Há uma busca de salvação. Uma rua em St. Louis. O texto salva-se precisamente naquilo em que arrisca a perder-se: a genial dramaturgia sincopada, controlada com mão de mestre.
Há uma encenação coerente e limpa. Há um desempenho forte dos atores, seguros e convincentes na versatilidade e nas intenções. Há um espetáculo que não deslustra a tradição do palco onde decorre (somos sempre um passado que nos pesa!...).
Há teatro, numa rua em St. Louis. Há teatro, na Guilherme Cossoul!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Teatro: «Depois o silêncio»

Depois o Silêncio
O espaço vazio, como expetativas goradas. O chão cinzento e mole, como tíbias hesitações. As paredes convergentes e estreitas, como frias censuras. Os diálogos ritmados e certeiros, como marteladas remordidas.
E depois o silêncio.
Três atores. Três corpos que encarnam várias personagens, três almas que se desdobram em múltiplas facetas delas mesmas. Três consciências que ousadamente se fragmentam na busca de si próprias. E de nós. De si próprias em nós. De nós em si próprias.
E depois o silêncio.
Um silêncio que nos pesa durante o jogo de espelhos a que esta peça nos submete. O texto de Arne Lygre entra por nós adentro, porque sentimos que é de nós que ele brota. Incómodo. Triturador. A encenação de Álvaro Correia despe-nos diante do espelho na forma como se minimiza para nos expor às verdades do texto. Os atores aproximam-se da perfeição na expressão das contradições do ser humano: imaculados na sujidade cinzenta das vestes, próximos na intangibilidade da distância promíscua a que se colocam, perdidos no rigor geométrico dos movimentos que executam, controlados na livre aparente espontaneidade com que soltam o texto. (Que grato prazer, o de rever a intensidade focada de David Esteves e a transbordante versatilidade de João Cachola! E que agradável surpresa, a de conhecer a força disciplinada e expressiva de Vicente Wallenstein!)
E depois o silêncio. O tesouro que trazemos connosco, após o espetáculo. A vontade de partilhá-lo.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Dizer a Imagem 10 - Luz na sombra



Há sempre uma luz oculta na sombra. A penumbra anuncia a claridade que habita as entranhas do tenebrismo. O pulsar da vida. O som.
Há sempre uma luz oculta na sombra. Os olhares que mergulham na treva dos íntimos aferrolhados são os mesmos que depois se desdobram para fora, em brancura escancarada. E o som.
Há sempre uma luz oculta na sombra. Que se revela, porque a vida é movimento. É andamento e intensidade, agógica e dinâmica. É som: melodia, ritmo e cadência. Música.
Há sempre uma luz oculta na sombra. Os olhares derramam o som, cantam as emoções plantadas nas imagens. Gestos e expressões que suplantam o dizível, gritam a transcendência num sussurro de melodia, ritmo e cadência. Música.
Há sempre uma luz oculta na sombra. Som. Música. Transcendência.

(Vídeo de promoção do álbum «Mundos e Profundos» do Projeto GEO - Concerto de apresentação em 9 de janeiro de 2016)
https://www.facebook.com/events/1419918838274365/