domingo, 18 de setembro de 2016

Texto sexagésimo nono

Apresentar um livro. Coisa diferente de apresentar-se num livro. Falar de si a propósito do que se escreveu é ato bem distinto de falar de si naquilo que se escreveu. É desvelar um mistério, revelar um segredo e de certo modo perdê-lo por isso, ganhar um aplauso no sacrifício do sigilo aconchegante. É trocar a brasa pela labareda. É uma obscenidade vertiginosa e inevitável neste mundo arquitetado na imagem, avassalado na visibilidade e na mediação. O escritor vive no recato, mas não sobreviverá nele, por isso resigna-se a alternar-se entre a clausura e o alarde. Entre o engavetamento libertador da escrita e a tirânica necessidade de anunciá-la, o escritor fecha os olhos e suspira, na nostalgia de um tempo/espaço primordial em que compor um texto era apenas brincar no quarto da infância, recolher o mundo inteiro e reinventá-lo à porta fechada, alheio às gritarias lá de fora. Só porque sim.
O escritor diz-se no que escreve, porventura sente-se desdizer a escrita ao ver-se constrangido a falar dela. Mas tem de. E gosta.

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